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coluna Domingando [2021, abril/18]

por Renata Fernandes


Estou apavorada de imaginar que a guerra contra o vírus está vencida, historicamente vencida, mas estou aqui, presa ao tempo dos homens, sobrevivendo por pura sorte, incapaz de acelerar os fatos, de vencer o mal, ou mesmo de encarar o horror, não por tanto tempo, não sem me distrair. Gostaria de dizer ao leitor que basta amor e arte, estou completa, e sim, sustentam muito, junto com cervejas então, nos tiram da tristeza numa sexta-feira, mas não basta, acaba que a gente precisa também de corpo suado e algum exagero, de boemia ou planos de fuga, sensações de liberdade, é tudo frágil e pueril, pensando bem já tínhamos tão pouco antes, e quando esse quase-nada falta tentamos nos distrair. Todos os escapes nobres em 2021 são labirínticos e mentais, e eu canso, sou fraca. Quando a coisa aperta, nem Netflix nem literatura funcionam, prefiro dançar na sala, movimentos de alegria e fúria, esvaziada.


Nossa hora vai chegar, o outro dia, vacina e paz, apesar de tanto, de tudo, venceremos essa. Mas esse consolo não alcança a questão para mim tão crucial: estarei viva para ver? Não sei, não sabemos, ontem fui na padaria e uma mulher espirrou inadequadamente perto. Com os músculos tensos, analiso a máscara dela, de pano gasto e solto: é esse, meu fim?


Não posso, há as crianças e preciso sorver o encanto da infância deles, Paixões Fevereiras ainda me dá conexões com leitores e alegrias. O próximo livro é um projeto que ainda está no campo das imagens, não virou palavra, e nada disso é meu, nem imagens nem palavras, preciso por pra fora e voltar a ser eu, pequena, desatenta, incompleta. Há ainda promessas do namorado de casa na praia na velhice. Há o cachorro, com apenas 13 meses e precisando de mim por mais uns 14 anos. Há os amigos, e os planos de carnaval. Há a Bahia, e minha vontade de voltar na hora certa. Há a hora certa que não chega. Família, aventuras, transgressões, criações e todos as hesitações.


Olho os números, mais três mil universos findam hoje, a raiva cresce, a pele fica quente, a coluna estala. Não é justo perder uma guerra vencida. Soldada impotente, vou dançar na sala e escrever. É minha trombeta de convocação para a batalha.



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