por Renata Fernandes
Tenho lido A Montanha Mágica, de Thomas Mann, romance de formação (Bildungsroman) que abre as portas do século XX e seus demônios. Mann acrescenta que sua obra é um Zeitroman, isto é, um romance do tempo. Na história, transgredindo com as características do romance de formação típico, Hans Castorp é um engenheiro recém-formado, um homem feito; seu arco evolutivo se dá justamente sob efeito da supressão do tempo, encapsulado num sanatório em Davos junto aos outros enfermos, nessa Montanha Mágica em que os dias se repetem. As grandes ideias do século XX, o humanismo e as sementes do fascismo estão todas lá, e o personagem reage, debate, deixa-se influenciar. Da leitura dessas primeiras trezentas páginas, penso no tamanho metalinguístico do livro: precisamos demorar o suficiente com Hans na montanha, perdermos o olhar da planície, numa fruição que se dá não pelo acúmulo de acontecimentos, mas pelo interesse vivo que a escrita elegante e as ideias debatidas no livro nos provocam.
Em Para Ler como Escritor, Francine Prose nos diz: “Leio minuciosamente, palavra por palavra, frase por frase, ponderando cada aparentemente mínima decisão tomada pelo escritor. E embora seja impossível recordar todas as fontes de inspiração e instrução, posso lembrar os romances e contos que me pareceram revelações: poços de beleza e prazer que eram também livros didáticos, aulas particulares da arte da ficção”.
A leitura exige concentração vertical, tempo largo e algum silêncio. Especialmente para um escritor, a palavra escolhida, o tempo verbal, a estrutura de paragrafação importam, e uma leitura atenta abre caminhos. Na bolha (tão diminuta!) das redes sociais que discutem literatura, as fotos de estantes cheias e livros novos recebidos são tantas que a tentação, diante da oferta exuberante, é acelerar e ler mais, imaginando que assim se torna um leitor melhor. Prefiro a lição dada por Mann que, insensível à pressa, sugeria duas leituras para que seu livro fosse apreciado devidamente. Talvez eu não leia esse clássico duas vezes, mas outros, universais ou aqueles que assim elegi na minha estante, numa dança íntima com as palavras cujo ritmo é meu, só meu.
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