por Renata Fernandes
Todas as crianças crescem, menos uma. Pouco antes do aniversário de 7 anos de minha filha, li a versão original de Peter Pan, editora Zahar, para ela e Antônio, de 5 anos. Na saída da primeira infância, muitas coisas ficam para trás, enquanto outras se descortinam. As ansiedades do crescimento estão todas no texto ágil e divertido de J.M.Barrie. A mãe idealizada a que é preciso abandonar voando pela janela. O medo infantil do abandono. A intuição sobre as dores da vida adulta, que faz as crianças rejeitá-la. O erotismo infantil, nas fantasias de Wendy e sininho, que Peter ora não percebe, ora teme, ora rejeita (afinal, ele se recusa a crescer). O erotismo também está na sra Darling, a mãe bonita de Wendy. Sua boca delicada e zombeteira escondia um misterioso beijo no canto direito, que o sr. Darling e Wendy nunca conseguem ganhar.
Outra leitura recente é a de Naomi Wolf, no Mito da Beleza. Wolf denunciava, nos anos 90, a crescente violência nas representações do sexo, do desejo, e da beleza. A pornografia da beleza, diz a autora, é o oposto do erotismo, pois não tem vida. A autora demonstra como, em resposta à explosão de liberdade sexual e avanços sociais que as mulheres conquistaram nos anos 60, o capitalismo passou a erotizar a violência como forma de manter estruturas de poder. Para as novas gerações, erotizar a confiança e o consenso passa a ser um desafio contra o sistema.
As duas leituras me atentam para a natureza sensibilizante e tátil do amor e do erotismo, para a capacidade revolucionária do afeto. Não é segredo que a literatura infantojuvenil enfrenta o perigo de subestimar seus pequenos leitores. Peter Pan está vivo porque crianças e adultos continuam querendo escapar pela janela; porque lutar contra piratas e contra o medo de virar adulto são emoções que precisam de deságue; e porque seu erotismo inteligente e delicado promete às crianças e faz lembrar aos adultos que a experiência amorosa pode ser algo de bela e libertadora.
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