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Pindorama On The Road - vol2

Atualizado: 10 de nov. de 2020

Esta é uma coluna escrita por Fernando Delucena, um músico viandante sempre disposto a absorver novos olhares e diferentes perspectivas culturais. Os textos fazem parte da categoria ÓRBITA, publicada no blog da Editora Taipa, que comporta escritores e artistas colaboradores. Esqueçam os cintos. Aproveitem a viagem!


"Pindorama On The Road, o que os outros pensam do Brasil por aí,

uma coluna esporadicamente semanal"



Brasil em uma palavra

por Fernando Delucena


Certa vez em Roma, tocando música brasileira e vendo girar uma intensa roda com pessoas provenientes de todos os recantos do mundo — coisa que só uma metrópole famosa e caótica pode provocar —, gente sempre muito interessada nas coisas da cultura brasileira, resolvi então iniciar uma pesquisa bem simples:

Qual a primeira palavra que te passa pela cabeça quando pensa em Brasil? — como um Top of Mind improvisado sobre meu país.

Mais de uma vez, curiosamente, a resposta foi a mesma: ‘liberdade’. Curiosamente porque naquele momento obscuro de Moros, Bolsonaros, milicos, milicianos, perdas de direitos essenciais e um genocídio tenebroso, “livre” me parecia ser a última coisa que descreveria bem o povo brasileiro.

Coloquei-me então em uma reflexão: de onde vem essa ideia de liberdade? Sem entrar em qualquer aprofundamento sociológico, contudo, me lembro de responder a uma jovem armênia, tentando demonstrar ponderação. Não, não é liberdade, mas sim diversidade. É importante não confundir as duas coisas. Para quem se depara com um pais tão vasto e encontra gente tão diversa — todos são brasileiros afinal: uns de costumes mais rígidos, outros mais liberais; umas praças onde soa o sertanejo universitário a toda altura, outras recheadas de tambores pela rua e seus batuques dengosos; um lugar que come assim, outro assado; um lugar que veste hábitos justos, outros justinhos; idiossincrasias tão particulares de cada região, sem falar nas características físicas variadíssimas —, tudo isso pode passar a impressão errada que somos realmente, por uma grande soberania de opções, talhados à liberdade. Mas não! Chegamos até aqui apenas por um absurdo acaso de aglomeração de povos, e que se deu justamente por lhes terem suprimido o direito fundamental a ela, a liberdade. Um acaso complexo que nos rendeu uma poesia bastante improvável. Ainda assim, liberdade é a última coisa que sentimos possuir.

Oxalá venha dessa diversidade a força para tornarmo-nos livres um dia quando.

**

Um outro ponto curioso respondido, tantas vezes quanto a palavra liberdade, foi na ocasião de outra pesquisa ligeira que aproveitei para desenvolver entre um concerto e outro, nessa mesma roda animada em Roma:

— Ei, você... o que sabe sobre a música brasileira?

— Caetano Veloso — quase uma unanimidade. — Gosto muito!

Ora, vejam só, nem samba, nem sertanejo, nem o funk de Anitta, nem a bossa nova de Tom. Os gringos só se referiam a Caetano Veloso. E além do mais, cheios de risos, ressaltam que gostam muito. É como se seguisse uma lógica à parte: tem o samba, tem a bossa nova, sabemos que isso tudo é genuinamente brasileiro, mas tem esse Caetano Veloso... ele é diferente!

Passei o resto da tarde imaginando alguém a escutar Irene pelas montanhas armênias e, longe de casa, me senti abraçado na minha solidão forasteira.

Fiquei feliz. Caetano também é aquele preto que o mundo gosta.



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